quinta-feira, 14 de outubro de 2010

            Estávamos no sofá da sala de tevê, eu com a cabeça em seu colo, tão dedicada a representar Julieta que minha Lady Macbeth se recolheu em algum lugar dentro de mim como se não existisse mais. Ele passava a mão nos meus cabelos, eu sentia uma preguiça boa. Por um lado, gostava que ele me tratasse como uma bonequinha. Já não me lembrava da última vez que um homem olhara para mim como se eu valesse à pena. Pensei no que aconteceria com nossa rotina a partir de agora. Andaríamos de mãos dadas pelo shopping, cantarolaríamos músicas bobinhas no carro, a caminho de casa, e dividiríamos um pote de Häagen-Dazs assistindo a um DVD. Ele me beijaria lentamente, me olharia com ternura (ternura, meu Deus!), afinal, aquele seria o tipo de relacionamento em que se pensa mais em sentimento, e menos em sedução. Não era o que eu estava acostumada, mas caretice para mim era novidade, e decidi arriscar. Sim, eu arriscaria. Permitiria-me até adormecer naquele colo...
            - Clara...
            - Sim?
            - Eu acho que te amo. Não, não é verdade. Eu tenho certeza. Eu te amo.
            Abri os olhos. Ele dissera mesmo aquilo? Precisava pensar rápido.
            -...
            Droga, não sabia pensar rápido. Com cara de quem acabou de acordar, percorri o seu rosto com as costas da mão, cheia de afeto. Aquilo deveria bastar, por enquanto. Suspirei e voltei a cerrar as pálpebras. Merde. Se não estivesse tão envolvida naquele teatro, levantaria, daria pulos de desespero e gritos de horror. Eu já ouvira aquela frase antes, especialmente seguida de juras de suicídio em caso de abandono. Tudo bobagem, é claro, e a exaltação romântica me trouxera a certeza de que meu interlocutor cometera um equívoco: tratava-se de paixão, não de amor. Contudo, as palavras de André haviam sido ditas com uma serenidade que não deixava dúvidas.
            Lembrei-me rapidamente do que ele conhecia sobre mim. Filho do melhor amigo do meu pai, sabia que eu tinha uma habilidade culinária incrível, que adorava Chanel (eu e sua mãe tínhamos como único assunto a moda), que sonhava em conhecer o mundo. Acredito que já percebera também a minha capacidade retórica, mas nem imaginava a minha opinião sobre a Família, o Casamento e o tal do Amor.
            É claro que eu não me orgulhava de meu passado. Mas também não me arrependia. Amor, amor, amor! Ora essa! Senti raiva, primeiro. Depois, tristeza. Doía saber que ele me idealizava, que não era por mim aquele sentimento que eu não admitia. Será que era esse amor capaz de me curar? Difícil, eu não me considerava digna dele. Será que eu seria poderia, por André, me transformar na mulher amada? A mulher amada, todavia, parecia-me muito tola.
            Eis a verdade: meus machucados não me doíam. Eu havia mudado à custa deles. Nunca quis uma cara-metade. Gostava de ser assim, meio incompleta, até deformada, surreal. Encontrava-me, cheia de angústia, obrigada a enxergar que não se ama uma mulher que não precisa de ninguém – elas são quase psicopatas. Se André era bom demais para mim, eu já não me importava em ser ruim.
            Silenciei, insegura no primeiro instante. Depois, aguardei impaciente até que chegasse a hora de nos despedirmos.
            Mudei o número do meu celular, voltei a fumar (havia parado desde o nosso primeiro beijo) e “caí doente” durante todos os dias em que se realizaram coquetéis de trabalho de papai. La vie est passionante, mais l’amour? Pas pour moi.

Um comentário:

  1. Hey Lucia,

    A vida é emocionante mesmo e por mais que vivemos nunca achamos o momento de clareza, de certeza, ainda mais sobre o amor. Esse sempre tão conhecido, aclamado, recitado, inventado. Por mais que julgamos, por mais que vivemos e aprendemos, o amor sempre será desconhecido a nossa frente. Nunca estaremos prontos o suficiente pra ele.

    você escreve bem, moça!

    beijos

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