terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do Otimismo

- Que bom, agora posso me atirar do abismo com a certeza de não me espatifar. Escaparei voando.

Das Conclusões

- Hoje acordei e percebi que estava morta.

Dos Golpes Baixos

- Eu queria te abortar, mas teu pai não deixou.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Considerações II

- Você sabe, chéri - acendeu um cigarro - não há como ser platônico depois de uma trepada homérica.

domingo, 28 de novembro de 2010

Considerações

- Se você for você mesma o tempo todo, ele jamais vai ter peito para cortejá-la.
- Interessante. Bem, eu não quero me envolver com um covarde.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fragmento

Estranhíssimo: eu conseguia perdoá-la por ter um amante, meu pai também fora infiel no casamento e, mesmo que eu preferisse não saber de seus desvios, com medo da sensação de desamparo que eles me traziam, sabia que eles não haviam sido os primeiros e estavam longe de serem os últimos a romper com suas ditas obrigações maritais. Sabia também que a decisão de meu pai por uma separação era improvável, pois ele tinha exatamente tudo o que queria: uma mulher bela e facilmente dominável, cujos protestos podiam ser calados com jóias, e mais quatro ou cinco namoradinhas para distraírem-no com seus corpos jovens, risos graciosos e sua leviandade encantadora.
Era considerado um homem de bem, um bom profissional e ainda conseguia aparentar ter mais dinheiro do que efetivamente possuía. Já mamãe, sufocada por regras, tratada como uma criança incapaz ou como uma louca, pouco tinha a perder. Contudo, conhecendo-a como eu a conhecia, temia seu bovarismo ingênuo e onde ele culminaria: o último bem que lhe restava era a esperança, e eu desconfiava que, se esta morresse, ela também definharia.
Considerava injusta a peça que o destino pregara em ambos: Ele, por fazê-la acreditar que não passava de uma mulher delicada e eternamente romântica, sem discernimento da realidade, seria deixado por ela exatamente por isso. E ela, tardiamente sonhadora, incendiaria a vida imbecil que tivera sem saber como construir outra. Mimada como era, não tinha noção dos riscos que corria.
Era claro, portanto, que ela pagaria por seus erros, que estava fadada à decepção. O que eu não conseguia tolerar, mesmo, é que ela quisesse me arrastar junto para o lago de equívocos onde se afogava no raso – e que tivesse poder para isto, por mais idiota que fosse.
Pela primeira vez em muito tempo, pensei no futuro. Não consegui achar nenhuma promessa importante, nenhuma expectativa. Mas viver do meu jeito era um bom engano. Não queria ser como a minha mãe.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Refuto o passado
                        presente
Sem passado e sem presença
                        guardado
                        latente
Oscilo, oscilo
                        intensa
                        fremente
Nem sei se te sei
Ou se te crio

Se te desenho nos meus lençóis
                      máscara atroz,
                      será que te amei?



De ontem só lembro
Que estavas calado

 (Mas antes calado
            permanecesses!
            Antes morresses
            Em meu seio aninhado)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Projeto Vértebra - Uma série de colunas

             Em parceria com um amigo muito querido e competente (Francisco Mallmann, do http://www.strongconviction.blogspot.com/ ), dou início, hoje, a um novo blog, com propósito um pouco diferente deste. Continuarei a postar aqui, pois ambos são, de certa forma, complementares. Abaixo, um resumo de nosso projeto:

          
Não viemos para lhe contar onde lhe doem os ossos – supomos, ilustre (?) leitor, que você já o sabe. Não viemos para sustentar corpos sem espírito, para fazer a dignidade de qualquer bípede (antes pô-la em xeque). Viemos pelos pontos finais que em conjunto se tornam reticências, não de dúvida, mas de continuidade. Viemos pelas contradições que levam a conclusões. Procuraremos evitar os exageros românticos (para tais distrações aprazíveis, visitem os seguintes endereços: www.moezbert.blogspot.com / www.strongconviction.blogspot.com). Tampouco temos a finalidade de endireitar essa espinha tão torta que é a humanidade (a primeira bandeira que levantamos é a do combate ao autoengano). E não pretendemos seguir com regularidade a pernosticidade de nossa introdução (a empáfia não é exatamente causadora de empatia, embora se faça necessária num primeiro momento). A falta de esforço para obter simpatia inicial significa apenas que sabemos bem qual não é o nosso objetivo (embora seja uma conseqüência bem-vinda): Agradar. Isso declarado, podemos começar nossa descompromissada tarefa de protesto.

 Lucia M. Ghaendt-Möezbert e Francisco Mallmann

O Homem-Livro

           Acordou um dia prensado entre as páginas doze e treze de um exemplar antigo, como uma flor seca. Ao menos não era um inseto, pensou, enquanto notava tatuados em si trechos que não eram seus. Curioso o alento proporcionado pela impossibilidade de escape, pelo calor entre papel e papel – talvez o único aconchego que bastasse àquele homem triste. Acostumou-se cedo à sua nova condição e descobriu que não gostava de viver à margem.
            Tentou fazer de travesseiro um pê, de política, mas lhe pareceu tolice perder a riqueza que o cercava pelo encanto de noções mal-aplicadas. Tentou compreender a vastidão daqueles parágrafos que progrediam lentos e sábios, mas não foi capaz de acompanhá-los e, como Brás Cubas, não teve sucesso em seus projetos. Por acaso descobriu – vagando entre um aposto e outro – que todo homem é o homem todo, como bem versava Sartre, porém já não compreendia direito o que era ser humano (ou, quem sabe, houvesse parado ali justamente porque jamais aprendera o que se nasce sabendo). Pois a mesma riqueza que lhe abrira os olhos pôs-lhe uma venda, de forma que ele nunca visse, notasse, abstraísse a existência de um outro indivíduo completo, invalidando, assim, toda informação que obtivera.
            Quando, por mero acaso, abriram o livro justamente no capítulo em que ele se encontrava, assustou-se. Não reconheceu os olhos que percorriam lá de fora suas linhas. Considerou-os indecentes, ignóbeis. Os olhos de um apedeuta curioso, que certamente não era digno de folheá-lo. Mas, por haver adquirido algo de aventureiro, acabou resolvendo testar a companhia indesejada. Levou-a às páginas mais surpreendentes, observou suas notas de rodapé sem muita atenção, prendeu-a entre construções incompreensíveis e até se mostrou em branco.
            Só voltou a temer quando, inocentemente, resolveram sublinhá-lo. Aquilo era inadmissível! Decidiu desaparecer. Preferia morar no epílogo.

domingo, 21 de novembro de 2010

Um pouco de poesia e o aviso de que o blog está em reforma (:



             Procuro, quem sabe
             Perder o interrogativo ponto final
             Dos des(a)tinos

                         Como podes me querer bem
                                              se és tão mau?





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Comentário



Pregam os anacrônicos anafroditas
Finjo escutar (se não houvesse mentira, não haveria arte)
E, covardias à parte,
Quando se encerra o falario
Meu branco no preto é púrpuro
Como a loucura que uma vez já lhes sorriu


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

             Sabia bem que não se resumiam a dois corpos suarentos. Sabia? Como era bom perceber que ele nunca pudera perdoar-lhe o gênero (e duvidava muito que algum dia houvesse tentado), ao menos enquanto o arrebatamento era tanto que nada restava a não ser fitar a tatuagem feia em suas costas, seus braços firmes que se esticavam em direção à cabeceira buscando um cigarro. E pensar que tudo começara por causa de um isqueiro. E pensar que dissera jamais. Por que tão quieta?, ele perguntava constantemente, já procurando novamente enlaçá-la, forçando sua perna entre as dela, ansioso, ávido. Ainda bem. Dessa forma, atinha-se muito pouco a buscar respostas para o silêncio. Bastava que ele fosse suprimido por gemidos e suspiros. Não que não se importasse. Pelo contrário. Beijava-lhe as cicatrizes cuja história desconhecia. Vou cuidar de você, minha linda. Perdidos no limite entre realidade e fantasia, abraçavam-se.
            Quanto às discussões? Não existiam. Ele preferia dizer que respeitava a opinião dela. Nunca se enfrentaram. Não valia a pena. Ela vituperava suas atitudes de pequeno burguês, sua vida social repleta de presenças desprezíveis, sua falta de espírito público, rejeitava seus valores comuns, mas não se retesava ao toque do antigo inimigo. Ao invés disso, entregava-se, abria-se, pedia, prendia-o em si contraindo as coxas e gozava com raiva porque não era capaz de meramente usá-lo. Absorta pela satisfação culposa de quem perde o orgulho, caía no vazio da quietude com a qual ele fingia se incomodar. Tornava-se, pouco a pouco, parte das posses que ele considerava essenciais. E ele despejava mais vinho nas taças, mais risos suaves em seu ouvido, mais, mais, tantas coisas mais. Possuía-a na palma das mãos, nos olhos e no bolso da calça, embora nem ao menos a conhecesse.
            Pelas razões que só um homem assim poderia compreender, sentiu, depois de passados alguns meses, que era tempo de visitar uma joalheria. Fê-lo com a tranqüilidade de quem prevê um retorno certo ao investimento, mas, como qualquer um faria num momento como aquele, não se esqueceu de se ajoelhar, de se exaltar. E ela, como qualquer outra (veja bem, como qualquer outra) reagiria, disse que sim, os olhos úmidos de surpresa.
            Na manhã seguinte, encontraram-na morta, esparramada na diagonal da cama, branca como a ira (sim, a ira), nua como uma noite sem estrelas. No estômago, além de doses letais de Zoloft e Daforin, um anel de brilhantes da H. Stern.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

            Disse-me, repleto de irônica eutimia, que o melhor tipo de homem se esgota no pior tipo de mulher. Isso muito casualmente, às oito da manhã, enquanto vestia-me de fumaça e sentia-se ultrajado por minhas pálpebras semicerradas de desprezo. Não era um desprezo destrutivo, apenas o aprazível exercício de ignorar a presença exacerbada e presunçosa de dias distantes.
            Quem foi que mentiu que você é o melhor tipo de homem, hein? Recitar aforismos como um papagaio repetindo atirei-o-pau-no-gato não faz de você um gênio. Os numerinhos que o entretêm naquele caos de escritório na Sete de Setembro também não traduzem superioridade intelectual. Mas não tenho a intenção de destruí-lo. Se você calasse a sua boca e transformasse a fúria do verbo que mora em seus lábios, quiçá pudéssemos nos despedir ainda tontos pelo êxtase, selando com olhares um tratado de paz. Você é fraco, eis a verdade. Não lhe basta ter sido meu amigo, amante, confidente, bem-amado e porto seguro. Nunca lhe bastou, e todo o seu carisma já me levou a crer que ser sua era tudo, tudo o que eu poderia desejar. Liberta de tais absurdos, contudo, escuto suas ofensas e encontro no seu rosto a evidência de que para você, mil vezes melhor ser odiado do que não despertar sentimento algum. Um milhão de vezes ser meu algoz, torturador, do que outro dos meus apaixonados que se misturam em imagens borradas. Ah, esses resmungos ríspidos que você solta para ver se ainda têm efeito. Se soubesse ao menos que a saudade de nossa história só pode ser mantida se guardarmos o melhor dela. Já não trilhamos o mesmo caminho. Tão distante estamos, aliás, que sonho como há muito não sonhava. E não é com você, ouviu? Perguntei enquanto via surgir suas rugas de raiva na testa, a expressão incrédula.
            Vamos. Eu o levo à porta. O quê? Não precisa? Tanto melhor. Tanto melhor. Você pegou o casaco em cima da cadeira. Levantei para limpar o cinzeiro. Queria dormir. O seu cheiro na cama. Dirigi-me ao sofá da sala e o esqueci.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Que sou, se estou
                                   Aqui
E não caibo, como bem disse um amigo
Sou uma linha,
           um monstro,
             um figo?
Hediondo artigo
Indefinido?
            O brilho do mundo
            Que se vai
            A vida, a vida!
            Que se esvai.
           
O sentimento inesperado
Que bebe o grito
Da surpresa?
            Presa na Roda
Gigante
Instante-adiante-amante
            Presa do vício
            Da rima mais pobre
            Roubando o suplício
            Do mau e do nobre

Sem culpa, sem nexo
Sem rosto e sem sexo
                                            
                        Tanta tinta e tanto tule!
                        Não há quem anule
                        Os disfarces do palco
                       
                        Somente eu vaio
                        Minha falta de ensaio
                        O peito que dói
                       
Vertigem e caio
Ah, truque tão velho:


Você, meu espelho




(fio de inspiração furtado de http://www.strongconviction.blogspot.com/. Recomendadíssimo!)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

            Chamavam o Adolfo de Galego e, por alguma razão, acho que o apelido soava de fato melhor que o nome. Tempão que não vejo Galego. Mudou-se para Portugal. Engraçado, é dessas criaturas cômicas, que não fazem questão nenhuma de ser inesquecíveis, que nos recordaremos com freqüência significativa. Galego gostava (e, imagino, ainda gosta) da vida boa, de sol e piscina (detestava areia), de morenas de 1,75m, de cerveja gelada e de pastel de feira. Descrevendo assim a figura, mal posso acreditar que tenha sido um grande conselheiro justamente na época em que eu tinha sede de minhas próprias lágrimas e esperava, sem a mínima vontade de ser feliz, a noite cheia de fumaça e vodca, planejando a minha própria insônia.
Era um advogado do amor. “Você vai sofrer, sim, mas acredite, corra atrás, existe melhor sofrimento do que o de paixão?”. Eu era jovem, ele enchia minha cabeça de besteiras e romantismo, emprestava o ombro para que eu chorasse as desilusões e me apresentava aos tipos mais imprestáveis, jurando que com aquele, com aquele daria tudo certo. No meu aniversário, presenteava-me com gérberas. Menos no último. No último, trouxe-me uma mudinha de melissa, para eu fazer chá. “Calmante”, ele me informou em tom zombeteiro. Naquele dia, nossa conversa não se restringiu aos meus namoricos. Discutimos sobre vida. Talvez tomado pela expectativa de outro mundo, ele me disse que “viver é ter todos os poros em estado constante de alerta”. Pausa. “Alerta feliz”, ele complementou com a voz embargada.
Não sei por que precisei de tantos meses para entender que o estado ao qual ele se referia se tratava da capacidade de encontrar alegria ao morder uma pêra madura, ao sair na varanda e roubar com os olhos a buganvília escandalosamente roxa em frente à casa da vizinha. Ou de sentir o contraste entre minha própria pele e o corpo de outro alguém. De fumar devagar (se for para morrer de prazer, que seja com lentidão, aproveitando cada minutinho). De ter momentos mais longos de inconsciência-consciente – se o futuro é conseqüência dos nossos atos, estamos perfeitamente integrados à montanha russa do destino. A atitude movida pela euforia ou pelo acaso vale tanto quanto aquela que foi ponderada. Aliás, devo meu insight óbvio a um respiro. Ao cheiro fresco da melissa que cresceu escapando pela janela da lavanderia, buscando o sol e levando junto minha vista espantada para o céu azul-cor-de-sonho-bom.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

            Não perdi os vocábulos, mas perdi a poesia. Sou o vazio. Basta-me um ingênuo para que eu volte acreditar no “sentimento do mundo”. Basta-me um presunçoso para que eu sinta-me tomada por uma ataraxia satírica. Sinto-me desprezivelmente sã. Nenhum louco digno do nome, supondo-se que a loucura seja o próprio excesso, procura um espelho que lhe traga a cura. Uma máscara substitui a outra, embora o significado de cada uma permaneça incógnito. Talvez tudo seja culpa das migalhas que espalhei pelo caminho. A fealdade de minha história é o lirismo que resta não a mim, mas aos que me lêem surpresos até que se enfastiem. Os ímpetos incontíveis morrem sem deixar rastros. Fui tão feliz que prefiro não lembrar. Fui tão miserável que é melhor esquecer. Lógica alguma atinge o âmago desta caneta. Lógica alguma atinge. Lógica. Se a poesia não houvesse sido perdida, entretanto, acredito que já estaria condenada. Sufocada com o “eu”. Sobraria apenas a fusão dos meus tantos nomes. Que é nada.