quarta-feira, 15 de setembro de 2010

             Na penumbra cotidiana de uma terça-feira à noite ouço o som da TV do vizinho. Quero levantar e fumar, mas não vou, meu cabelo está molhado e vai ficar com um cheiro terrível se eu o fizer. Meus olhos ardem. Lentamente, vinda sabe-se lá de onde, a angústia me absorve (angústia, esta palavra tão démodé, não encontro outra...), eu bocejo, embora não tenha a intenção de dormir. Que estranho, estou viva. E a consciência me faz querer fugir dela própria. Percebo meu peso sobre o colchão velho, minha respiração me aterroriza. Encolho-me como um feto adulto, débil, desejando retornar ao útero da mãe que em pouco tempo hei de perder.
            Fecho os e escuto profecias nefandas escritas em olhos por detrás de lentes que refletem a luz branca de uma clínica. Se eu pudesse rezar... É possível que a religião, tão dogmática, possa vencer o não menos dogmático cientificismo? Não posso, não quero me apegar a nada. E a agarro-me ao travesseiro, imagino um soluçar dolorido, que direito tenho eu de sofrer? Preparo-me para o luto, como sou insensível! Esqueço os cabelos, alcanço o meu Charm e vou para a varanda.
            Acendo o cigarro muito tranquila, mas é só por um momento. Trago rápido. Não consigo livrar minha mente das metáforas ou vôos poéticos. Será que trago a vida, também, depressa demais? Egoísta. Gulosa. Quem sabe até má. Só que não é a mim que chama a morte, pelo menos não hoje. A poesia existe para os vivos. Quem já não respira, já não respira. Eu solto a fumaça num suspiro.
            Preciso me distrair. Fazer as unhas, visitar a Flávia em Cascavel, alguém que me faça feliz para sempre pelo próximo mês e meio. Brûlée, a gata, mia de dentro da lavanderia. Largo a bituca no canteirinho mesmo. Escrevo. Duas, três linhas. Quero engolir o Aurélio e achar palavras rebuscadas que não me exponham tanto. Desisto. A chata da Brûlée continua com seus protestos. Vou ver o que é. Abro a porta e ela escapa para o sofá da sala, aninhando-se na almofada. Deixo-a lá. De volta ao quarto. Meu celular vibra na cabeceira. Uma mensagem. Leio. Babaca. Penso em ligar para casa. Oscilo. Cedo e disco o número. Minha mãe atende. Desligo e vou dormir.

2 comentários:

  1. ótimo! um misto de sartre, camus e kerouac, e claro, um toque próprio de poética. o que acho é recíproco.

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  2. Belo, belo mesmo. Um certo tom lúgubre de que, particularmente, gosto muito.

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