quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Carta a um mau amante

  Curitiba, 21 de maio de 2010

  Caríssimo V.,


  Não se encha de vaidade pois lhe escrevo, não tome esta carta por um sinal de afeto. Se dirijo algumas linhas a você, é somente por que se fazem necessários alguns esclarecimentos.
  Antes de mais nada, um pedido: não me chame mais de “minha querida”, não sou querida e muito menos sua. Aliás, preciso lhe dizer que pouco me comovem seus ciúmes.Você não é meu dono, recuso-me a passar pelas partes ruins de um relacionamento sério sem nunca termos tido um. Você protesta, diz que não entende minhas atitudes, mas é simples: Conheceu-me de um jeito, gostou de mim daquele jeito e, agora (que ironia!), quer que eu mude. Quer que eu pare de fumar, que não use jeans rasgados, que conheça a sua mãe. Compreendo: Quis crer no que alardeiam sobre as mulheres da minha idade (tão influenciáveis!) e se esqueceu de um detalhe: Sou nova, não trouxa.
  Não diga que me ama, não seja leviano com as palavras, não faça perguntas tolas, não seja pretensioso: Eu nunca vou me apaixonar por você.
  Há algum tempo, dizia que eu dava bons conselhos. Por gentileza, trate de aceitar os seguintes: Procure uma moça bem carente, que acredite no grande amor – dla ficará satisfeitíssima com um gentleman possessivo. Outra dica: Esqueça o Fahrenheit – depois dos “enta”, não fica bem usar perfumes velhos.
  Lamento lhe informar, mas você pouco entende do prazer feminino. Sabia que ele começa pelos ouvidos? Pois bem, ultimamente, sua voz tem me dado ânsias. Não é só: Suas perversões são comuns, sei de cor o caminho que você percorre antes de chegar ao que interessa e detesto seu olhar interrogativo no final. Quer mesmo saber? Você não foi o meu melhor. Mas valeram as tentativas.
  Para não falar que sou injusta, obrigada pelos lírios enviados na semana passada.
  Um último aviso: Não é prudente sair por aí dizendo que sou sua namorada. Você não é o homem da minha vida. É “um dos”. Ou melhor, foi. Tudo tem prazo de validade, e nosso affair era extremamente perecível. Faça o favor de sumir, antes que as lembranças de incômodo se tornem mais intensas do que as de alegria.

  Meus mais ou menos sinceros votos de felicidade

  Lucia

4 comentários:

  1. Yet I am not more sure that my soul lives, than I am that perverseness is one of the primitive impulses of the human heart...
    The Black Cat - Poe

    ResponderExcluir
  2. Lucia...
    Agora vi um lado "Lucifer" seu, perdão pelo nome agourento. Você escreve com tanta suavidade que soa ácido, um ácido suave - eita metáfora mediocre, se for metáfora...
    está se tornando um prazer vir aqui quando posso, e um melhor prazer vir até quando não posso.

    ResponderExcluir
  3. "Retrata um fim amargo e desenha um começo doce!"
    Lucia, cabe ao verso o desamor e todo o resto.
    Adorei o texto. É como se já tivesse ouvido e vivido algo parecido. Identifiquei-me.

    ResponderExcluir