terça-feira, 9 de novembro de 2010

            Disse-me, repleto de irônica eutimia, que o melhor tipo de homem se esgota no pior tipo de mulher. Isso muito casualmente, às oito da manhã, enquanto vestia-me de fumaça e sentia-se ultrajado por minhas pálpebras semicerradas de desprezo. Não era um desprezo destrutivo, apenas o aprazível exercício de ignorar a presença exacerbada e presunçosa de dias distantes.
            Quem foi que mentiu que você é o melhor tipo de homem, hein? Recitar aforismos como um papagaio repetindo atirei-o-pau-no-gato não faz de você um gênio. Os numerinhos que o entretêm naquele caos de escritório na Sete de Setembro também não traduzem superioridade intelectual. Mas não tenho a intenção de destruí-lo. Se você calasse a sua boca e transformasse a fúria do verbo que mora em seus lábios, quiçá pudéssemos nos despedir ainda tontos pelo êxtase, selando com olhares um tratado de paz. Você é fraco, eis a verdade. Não lhe basta ter sido meu amigo, amante, confidente, bem-amado e porto seguro. Nunca lhe bastou, e todo o seu carisma já me levou a crer que ser sua era tudo, tudo o que eu poderia desejar. Liberta de tais absurdos, contudo, escuto suas ofensas e encontro no seu rosto a evidência de que para você, mil vezes melhor ser odiado do que não despertar sentimento algum. Um milhão de vezes ser meu algoz, torturador, do que outro dos meus apaixonados que se misturam em imagens borradas. Ah, esses resmungos ríspidos que você solta para ver se ainda têm efeito. Se soubesse ao menos que a saudade de nossa história só pode ser mantida se guardarmos o melhor dela. Já não trilhamos o mesmo caminho. Tão distante estamos, aliás, que sonho como há muito não sonhava. E não é com você, ouviu? Perguntei enquanto via surgir suas rugas de raiva na testa, a expressão incrédula.
            Vamos. Eu o levo à porta. O quê? Não precisa? Tanto melhor. Tanto melhor. Você pegou o casaco em cima da cadeira. Levantei para limpar o cinzeiro. Queria dormir. O seu cheiro na cama. Dirigi-me ao sofá da sala e o esqueci.

3 comentários:

  1. Fúria!
    és bem atenta ao real, gosto da realidade dos seus textos, dos seus êxtases, dos sentimentos.
    esse teu texto me provoca!

    a-do-rei!

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  2. Intensidade em forma e letra, é um orgulho passar aqui, e um orgulho maior quando você passa lá.

    A flor ainda sente a agonia da morte, embora seu perfume nos seja tão caro.

    eu devia vender isso para para-choque de caminhão rsrsr

    bejos

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  3. Encontros, desencontros, orgulhos feridos, algo que se perdeu algures, muros por derrubar... Continua-se, às vezes à espera de nem se sabe bem o quê...
    (A sua escrita é tão intensa...!)

    beijo :)

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