terça-feira, 2 de novembro de 2010

            Chamavam o Adolfo de Galego e, por alguma razão, acho que o apelido soava de fato melhor que o nome. Tempão que não vejo Galego. Mudou-se para Portugal. Engraçado, é dessas criaturas cômicas, que não fazem questão nenhuma de ser inesquecíveis, que nos recordaremos com freqüência significativa. Galego gostava (e, imagino, ainda gosta) da vida boa, de sol e piscina (detestava areia), de morenas de 1,75m, de cerveja gelada e de pastel de feira. Descrevendo assim a figura, mal posso acreditar que tenha sido um grande conselheiro justamente na época em que eu tinha sede de minhas próprias lágrimas e esperava, sem a mínima vontade de ser feliz, a noite cheia de fumaça e vodca, planejando a minha própria insônia.
Era um advogado do amor. “Você vai sofrer, sim, mas acredite, corra atrás, existe melhor sofrimento do que o de paixão?”. Eu era jovem, ele enchia minha cabeça de besteiras e romantismo, emprestava o ombro para que eu chorasse as desilusões e me apresentava aos tipos mais imprestáveis, jurando que com aquele, com aquele daria tudo certo. No meu aniversário, presenteava-me com gérberas. Menos no último. No último, trouxe-me uma mudinha de melissa, para eu fazer chá. “Calmante”, ele me informou em tom zombeteiro. Naquele dia, nossa conversa não se restringiu aos meus namoricos. Discutimos sobre vida. Talvez tomado pela expectativa de outro mundo, ele me disse que “viver é ter todos os poros em estado constante de alerta”. Pausa. “Alerta feliz”, ele complementou com a voz embargada.
Não sei por que precisei de tantos meses para entender que o estado ao qual ele se referia se tratava da capacidade de encontrar alegria ao morder uma pêra madura, ao sair na varanda e roubar com os olhos a buganvília escandalosamente roxa em frente à casa da vizinha. Ou de sentir o contraste entre minha própria pele e o corpo de outro alguém. De fumar devagar (se for para morrer de prazer, que seja com lentidão, aproveitando cada minutinho). De ter momentos mais longos de inconsciência-consciente – se o futuro é conseqüência dos nossos atos, estamos perfeitamente integrados à montanha russa do destino. A atitude movida pela euforia ou pelo acaso vale tanto quanto aquela que foi ponderada. Aliás, devo meu insight óbvio a um respiro. Ao cheiro fresco da melissa que cresceu escapando pela janela da lavanderia, buscando o sol e levando junto minha vista espantada para o céu azul-cor-de-sonho-bom.

5 comentários:

  1. São pessoas assim que a gente não esquece, e no que se refere a essas pessoas, não importa sua profissão, status social, nem mesmo a aparência, pois nos fazem - através de palavras e exemplos - enxergar além do que é visivel aos olhos.

    Um abraço...
    http://estevespensando.blogspot.com/

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  2. Há no texto algo que prende, que atrai, como se fosse "...cheiro fresco da melissa que cresceu... para o céu azul-cor-de-sonho-bom."
    Por entre as ramificações da memória, a autora acerta contas, de sorriso na boca, com um certo passado, dando dimensão ao seu aprendizado.
    Texto bom de ler, texto bom de sentir...

    beijo :)

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  3. obrigada pelo seu dito, aquilo sobre ler em voz alta.
    você deve ser uma pessoa bem inquietante!
    gostei do texto.

    bjs

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  4. Às vezes acho que só vivo por causa do cheiro do sotch, do sabor do charuto, do som do mar, das cores da metrópole. Tudo isso me enche de alegria e nostalgia. Ainda bem que não estou sozinho.

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