Vencida pelo código não-verbal de segregação do corpo discente de qualquer Universidade (para a sua desilusão, um bando de pirralhos incautos que aparentavam nunca haver saído do jardim de infância), Ludmilla passava o intervalo com os pés bem fincados na área destina aos artistas, homossexuais e esquerdistas, embora não compartilhasse de todos os ideais pregados por eles.
Justificava-se a covardia vil: Quando tentara transitar pelo outro lado, ouvira das bocas cobertas por mãos de quem se ajoelha para pedir perdão por maus pensamentos:
- Maluca.
- Pobre?
- Libertina!
Girara os calcanhares para identificar seus acusadores e encontrara os trinta rostos mais limpos deste mundo.
Voltou para o lugar de onde jamais deveria ter saído.
Era inexorável a separação dos santos e hereges. Seguiu, como de hábito, a guerra fria. Com um pouco de esforço, tornou-se fácil tolerar aqueles tolinhos poderosos. À exceção de um.
Muitíssimo bem adaptado aos “ex lege” e às “data venia”, argumentativo e bem-relacionado, Tiago era seu inferno. Demoliam-se mutuamente durante aulas polêmicas, mas não conversavam fora destas circunstâncias. Chegavam ambos atrasados todos os dias – ele, os cabelos curtos ainda molhados, ela, após sair de um ônibus lotado, com cachos secos e tenebrosos.
Talvez Ludmilla o invejasse um pouco, mesmo que não se dispusesse a admitir. Provavelmente, o sentimento era recíproco: Diante daquela visionária, desbocada e liberal, ele considerava-se acorrentado. Ela julgava imperdoável sua mania de tocar os primeiros acordes de Smells Like Teen Spirit, metido em seus pulôveres caros, e de citar trechos de Platão e Kant como se fosse o primeiro a descobri-los.
Em um sábado à noite, ambos incluídos dentro de um pequeno grupo improvisado, viram-se obrigados a apelar para a diplomacia. Ele foi mais bem-sucedido.
Na segunda-feira, dialogando com Fabrício, colega de língua impiedosa, Ludmilla inquiriu:
- Ele falou de mim, não foi?
- Foi.
- Falou, mesmo? O quê?
- Que você é charmosa falando com o cigarro jogado no canto da boca, com jeito de atriz de filme francês.
- Ah, é? Espero que ele não pense que vou virar come dele por causa disso.
- Não. Ele tem medo de você.
- É bom que tenha!
- Pensando bem, talvez não tenha mais. Aí vem ele. Shiu.
Tiago entrou confiante em território inimigo. Parou em frente a ela, que franziu a testa. Ele sorriu.
- Você tem fogo?
Ela ponderou. Sua expressão abrandou-se. Cedeu e tirou o isqueiro do bolso.
- Tome, seu dândi.
Ele gargalhou esdruxulamente. Ela não se conteve e o acompanhou.
Uma risada é a melhor forma de se começar uma amizade (e de acabar com uma também, mas não sejamos pessimistas hoje, Oscar).
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