terça-feira, 24 de agosto de 2010

             Três dias após ter desembarcado naquele sonho de cidade, ouvi uma impolidez pela primeira vez: “Cazzo!”, você xingou o menino de pés descalços que corria e fez com que você derrubasse pincéis e tintas no chão. Eu ri, você se voltou com um intuito de despejar sobre mim uma série de impropérios, mas, sabe-se lá por que motivo, acabou por perguntar, muito simpático, se eu era dali. Respondi que não, em inglês, um pouco desconfiada da sua expressão de grande conquistador. Você pediu que eu esperasse, largou o material todo em um beco esquisito, olhou-me de cima a baixo e classificou: “Belissima”
            Foram tantos elogios e tantas risadas escandalosas durante o fim da tarde que, quando voltei à pensione, esqueci de ligar para minha mãe e escrevi três páginas à la Julieta: As estrelas, as águas, os barulhos da rua, tudo parecia fazer parte de um grande espetáculo cujo tema central era o nosso encontro.
           Em um piscar de olhos, passaram-se duas semanas. Encontráramo-nos todos os dias, mas era hora de partir. Você pediu que eu não fosse. Presenteou-me com um anel antigo. Convidou-me para morar em seu apartamento. Fiquei.
          Dos meus retratos feitos por você, consigo olhar apenas para um, o primeiro, meu rosto cheio de expectativas. Quanto outros tenho guardados! Você rabiscava sem que eu posasse: Fumando na janela. Olhando-me no espelho. Na cozinha. Lendo. No chuveiro. Nua. Vestida. Enrolada na toalha, no lençol.
         “Ti amo, principessa”, você declarava. Seus amigos me chamavam de “A menina do Franco” e, a certo ponto, eu não sabia quem era a tal menina. Ou quem eu era. Estranhíssimo, não reconhecer o próprio corpo, escutar seus próprios gritos dos confins de um lugar imaginário.
         Limoncello, grappa e, depois, vodca e absinto mesmo (que as italianices já não importavam), consumíamos bebidas fortes em quantidades industriais, potencializávamos a vontade e a angústia.
        Aquela conversa – vaga – sobre casamento acordou meu instinto de fuga. Um dia, um amigo ligou do Brasil (confesso que ele fora, há poucos anos, mais do que isto, mas que importava?), você atendeu. Ele me perguntou se você estava escutando, disse que eu não precisava de um amor que me sufocasse, que aliás, não precisava de amor nenhum, que não havia precisado nem mesmo dele! “Melhor em paz em Ventania do que agoniada em Veneza. Curitiba a espera, minha criança”, ele falou antes de desligar.
       “Se você me trair, eu te mato”, você ameaçou. E acrescentou, em lágrimas, quando fiz as malas: “Se você me deixar, eu me mato”. Confesso: desejei que fosse verdade. Mas não era, ainda bem..
       Uma semana depois, em casa, chorei o fim pela primeira vez. A manhã era cinzenta, e a dor, tão grande que parecia física. Dor de crescer, diagnostiquei.
        Ah, com o perdão do clichê e da pieguice: pobre de quem sucumbiu a um amor sanguessuga. E pobre de mim, que sobrevivi ao seu.

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